"Isto vai doer", de Adam Kay, foi publicado em Agosto pela Cultura Editora. Um livro que me passou despercebido até ter sido desafiada pela editora a lê-lo. Confesso que leio poucos livros de não ficção e achei por bem sair da minha zona de conforto e ler este livro.
Não sabia realmente o que esperar do livro, só não queria que fosse uma leitura cansativa. O livro surpreendeu nesse aspecto. A história é apresentada como um diário, onde Adam Kay partilha as suas experiências enquanto médico interno, no Serviço Nacional de Saúde britânico. O relato deste médico tem tanto de surpreendente como de assustador, tanto de boa disposição como de dramatismo, tanto de bom como de mau.
Ao longo das páginas conheço o percurso de um médico interno, após seis anos de formação. É um caminho complicado, o trilhado por estes médicos que são literalmente lançados aos lobos durante os longos anos passados em enfermarias. Adam Kay, não esconde as suas angústias, inseguranças, as suas certezas e alegrias. Sim, porque no meio de tanto cinzento, há sempre bons momentos, momentos que fazem valer todo o sofrimento e cansaço destes profissionais.
A escrita de Adam Kay é acessível, apesar de toda a gíria médica presente. Ao contrário do Serviço Nacional de Saúde britânico, o autor não nos deixa desamparados. Há sempre notas de rodapé a explicar procedimentos ou termos médicos, muitas vezes pautados por boa disposição.
Ao longo da leitura dei por mim a fazer caretas, perante os relatos dramáticos ou então a fazer caretas e a rir-me perante o absurdo descrito. Os médicos realmente têm de ser pessoas especiais para exercerem esta profissão. Não são super homens e super mulheres como muitos os querem fazer parecer. São humanos e também adoecem.
Este livro, além de ser um abre olhos para a realidade do Serviço Nacional de Saúde britânico, que também pode muito bem ser o nosso Serviço Nacional de Saúde, é também um importante relato, para reflectirmos sobre o trabalho louvável destes profissionais, que abdicam de uma vida pessoal, que trabalham horas infinitas, muito para além do tolerável, e que têm nas suas mãos decisões de vida ou de morte.
Adam Kay tem um extraordinário sentido de humor. Sem dúvida que tornou um relato muitas vezes angustiante em algo divertido. Um livro de leitura obrigatória. Depois desta leitura não se olha para um profissional de saúde da mesma maneira.
Boas leituras!
Algumas passagens do livro:
"Prescrevo uma pílula do dia seguinte na urgência. Diz a paciente: "Dormi com três tipos na noite passada. Será que uma pílula chega.""
"Uma notícia sobre um porteiro de hospital que foi preso por ter fingido ser médico nos últimos anos. Acabo de sair de um destes turnos que fazem questionar-me sobre se poderia safar-me a fingir que sou porteiro."
"Hoje o limite das idiotices diárias dos pacientes foi ultrapassado, e dei comigo à procura de câmaras ocultas na sala. Após uma longa conversa com o marido de uma paciente sobre como nenhum preservativo lhe serve, confirmo que ele os estica até tapar os testículos."